NÓS NÃO FICAREMOS PARA TRÁS! – diz ele

por José Gabriel*

“Balofas carnes de balofas tetas…”, canta António Botto, logo no primeiro verso do seu poema quase épico “A puta dança”, verso que me ocorreu – o primeiro e os últimos – quando o nosso ministro das finanças, representando o governo, em entrevista televisiva, fez um ar viril, marcial e altaneiro e declarou, do alto do seu semblante de pudim flan fora de prazo: “não ficaremos para trás!”, referindo-se aos 5% que os vampiros da NATO, pela voz do seu secretário-geral, aquele rapazola que dá saltinhos e trejeitos em jeito de adolescente retardado neurótico, querem impor aos países pertencentes à organização que, hoje, tem mais a estrutura e objectivos de uma máfia internacional da morte – sem ofensa para os homens de honra, como se designam a si próprios os verdadeiros mafiosos – que de uma organização de defesa.

Este “não ficaremos para trás” tenta convencer os pobres de espírito de que seguir uma tal loucura é uma prova de que somos iguais aos melhores, valentaços, não nos ficamos, somos exigentes e machões. Nós, ficar para trás? Nunca! Vamos a eles! – a quem, não se sabe, mas os rapazes das tvs e dos jornais, se lhes pagarmos bem, arranjam uns inimigos jeitosos.

Hoje, na sequência da concordância dos paspalhos sádicos e microcéfalos que governam os países europeus, o tal excitadinho da NATO veio anunciar que os tais 5% tinham vingado e a Europa – não a Europa, mas os cachorros de trela curta europeus que sempre obedecem ao dono – estava, em unanimidade, com a medida.

Estão os europeus? Eu não. Milhões de outros também não. Sabemos fazer contas e vemos o caminho suicidário que nos impõem. Sabemos o muito que vamos perder e o nada que vamos ganhar. Isto não é uma medida política. Isto é um crime político e social. Com dolo e premeditação.

Podem estar contentes os governantes que a maioria de vós tivestes o mau gosto de eleger e que, agora, fazem, não o que prometeram, mas o que lhes dá na real gana. Quem manda neles são, como nas matilhas, os cães grandes e, por cima de todos, os que providenciam os 0$$0$ para engordar a canzoada.

E os vampiros exultam. Os fascistas babam-se. Os idiotas festejam com mais um bagaço.

Esta gente desconhece a moral e a ética de que tanto fala. Desprezam a soberania nacional e acham o patriotismo – mesmo que dele encham a boca – um valor risível. Têm, sobretudo, um total desprezo pelo seu povo, e riem-se dos votos e dos votantes que os elegeram. Padecem de uma falta de empatia que os aproxima de um sociopata.

Noutros tempos, odiava o regime fascista e os seus mandantes. Hoje, olhando para os actuais governantes, não é o ódio que me move. É o mais absoluto desprezo. Gente volúvel, desprezível, recorte último dos eunucos.

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Nota do autor – embora eu fale, no início, dos “últimos versos” do poema, nunca cheguei a usá-los na versão do texto que publiquei. Tornava o texto longo de mais e redundante. Os versos seriam “Julga-se virgem de compridas tranças / mas se um cabrito de cornadas mansas / abre a carteira e generoso acode / a puta fode“. O tema da corrupção é uma tentação quando se lê isto.

*José Gabriel nasceu em Torres Novas em 1/4/1947 e vive em Coimbra desde 1967.  Viveu a crise de 1969, em Coimbra, e foi integrado nas Forças Armadas como cadete em 1970, tendo amargado quase quatro anos de vida militar, 29 meses dos quais no Leste de Angola. Licenciado em Filosofia pela Universidade de Coimbra. Foi professor do Ensino Secundário nas disciplinas de Filosofia, Psicologia e, em menor grau, Introdução à Política, História, Sociologia. Foi dirigente académico nos anos 70, tendo sido presidente da Assembleia Magna (74/75) e, depois, presidente da Direcção Geral da AAC (78). Membro do PCP, foi coordenador do Sector Intelectual do Partido durante alguns anos. Foi também autarca – membro do executivo da agora designada como União das Freguesias de Coimbra. Foi, durante alguns anos, membro da direcção da Associação de Professores de Filosofia, da qual foi co-fundador.

Este texto, gentilmente cedido à Passarola pelo autor, foi primeiramente editado, a 24 de Junho deste ano, no mural da sua página do facebook.
A editora Lápis de Memórias publicou recentemente um livro de crónicas de José Gabriel (em parceria com Manuel Pires da Rocha) também recolhidas entre os textos que o autor publica no facebook.