memória histórica – O Actor Dias

por Fernando Campos

Antes do advento da radio (e do cinema, da televisão e da internet), as gentes do espectáculo atingiam uma celebridade tão notória que eram reconhecidos pelo público e designados nos jornais apenas pelo apelido – como o actor Isidoro, o actor Simões, o actor Valle ou o actor Taborda, por exemplo.

António Dias Guilhermino era o actor Dias e foi um dos mais célebres actores cómicos do seu tempo. Nasceu em Maiorca em 1839 e estreou-se no Teatro Boa-União, que existia então na actual Rua do Pinhal, na Figueira da Foz. Foi logo depois para o Porto, levado para o teatro profissional, e ali esteve representando por 20 anos, sempre muito aclamado pelo público. Em 1878 foi convidado por Sousa Bastos(1) para várias temporadas em Lisboa, onde triunfou no desempenho dos mais variados papéis em comédias, farsas, paródias, revistas e operetas, percorrendo depois todas as províncias e até o Brasil. O seu talento e celebridade eram tais que Camilo Castelo Branco, seu público admirador, adaptou para ele a comédia em três actos “O assassino de Macário”(2).

Regressado ao Porto, “sua terra predilecta”, ali morreu, em palco como Molière, no Teatro do Príncipe Real, no meio de grande consternação popular, às 17 horas da tarde de 26 de Novembro de 1893. Segundo um jornal da época “Não se descreve o que se passou naquela plateia, a invasão no palco de amigos e de admiradores do actor que era o rei da graça, o artista probo, o homem que todos veneravam pela grandeza do seu carácter, pelos méritos que o consagravam um grande, entre os maiores actores do nosso tempo…”

Ao seu funeral assistiram os artistas de todos os teatros e numerosos amigos, “sendo o féretro conduzido à mão pelos actores do Príncipe Real, de sua casa à Igreja de Stº Ildefonso, onde foi cantado o responso, regendo a orquestra o maestro Tomás del Nero. O actor foi sepultado no Cemitério do Prado do Repouso, na presença de enorme multidão consternada e comovida, tendo sido aberta uma subscrição popular para “elevar um jazigo(3) ao grande artista.”

O jornalista e comediógrafo portuense Arnaldo Leite fez dele uma saborosa e eloquente evocação, que podeis ler aqui.

Para além do seu jazigo no Cemitério do Vale do Repouso, o nome do Actor Dias está imortalizado num largo no Porto  e na sua terra natal, Maiorca, no local onde ainda existe a casa onde nasceu.

Na Figueira, porém, nada existe que o evoque, nem à sua memória. O teatro onde se estreou já não existe. No seu lugar está um vasto complexo que pertence à Câmara Municipal e ao qual esta visivelmente não sabe o que fazer. Já foi um quartel militar, uma universidade manhosa e internacional, um sítio das artes e agora é futuras instalações de qualquer coisa do Instituto de Emprego e Formação Profissional. No seu interior existe contudo um pequeno auditório que, com algumas obras, vontade política e um pequeno orçamento (nada que se parecesse com o que o município gasta por ano com luzinhas de natal ou corridinhas automóveis e de bicicletas) podia ser transformado num teatro; num pequeno mas digno e belo Teatro Cómico, em homenagem ao actor Dias. Até podia, com um pouco mais de esforço e imaginação, fazer-se um festival nacional, anual ou bi-anual, de comédia. Lá poder, podia. Se a Figueira se prezasse e prezasse a memória dos seus maiores.

1) a partir de “Le meurtre de Theodore”, dos autores franceses Clairville, Alphonse Brot e Victor Bernard.
2) Escritor, dramaturgo, empresário teatral e jornalista, casado com a actriz Palmira Bastos
3) O jazigo do actor Dias é o número 13 entre os jazigos de notáveis assinalados na página dos Cemitérios Históricos do Porto da CMP

O retrato de António Dias Guilhermino é de 1875, é uma fotografia de Alfred Fillon e pertence ao Arquivo do Teatro Nacional D. Maria II.