Durante todo o mês de Agosto a Passarola está a editar uma série de artigos e pequenas entrevistas para dar a conhecer os artistas que participam no evento EnCantar pela Paz que, produzido pel’Odezanovedejunho – Associação de Ideias, decorrerá de 3 a 27 de Setembro no Auditório Madalena Biscaia Perdigão.
No Other Land – o que precisa de ser visto
O genocídio implacável a que os meios de comunicação chamam a Guerra Israel-Hamas dura há quase 2 anos. A ocupação da Palestina dura há 77 anos, desde 1948. Denominado um “projecto colonial” pelo seu próprio fundador, Israel continua a dizimar todo um povo, a entornar cimento em poços de água potável, a destruir escolas, universidades e hospitais e a bloquear a entrada de ajuda humanitária com a cumplicidade da União Europeia e dos EUA, alegando auto-defesa enquanto nas redes sociais publicita aulas de dança da quadrilha nas praias de Tel Aviv.
Enquanto isto dura, os palestinianos fazem o que podem para sobreviver, individualmente e como povo: constroem novas casas e escolas à socapa, incentivam a observação de aves entre as crianças para as entreter e educar com o pouco que têm para lhes dar, digitalizam os espólios dos antiquários antes que sejam destruídos, escrevem, e fazem filmes. No Other Land é um deles. Realizado por um colectivo de dois palestinianos (Basel Adra e Hamdam Ballal) e dois israelitas que se opõem ao regime (Yuval Abraham e Rachel Szor), mostra a luta pela sobrevivência na Cisjordânia, desigual como ela é: um exército e um governo contra uma câmara de filmar.
Num raro caso de uma tomada de posição politicamente assertiva por parte da Academia dos Óscares, este filme recebeu o galardão de Melhor Documentário este ano, sem ter sequer distribuição nos EUA. Nas palavras do crítico de cinema David Ehrlich, a Academia apontou os holofotes “para um tema que o resto de Hollywood não se atreve a tocar. Nem se digna a aproveitá-lo para o lucro! (…) A indústria do cinema americana está a exibir um nível de cobardia colectiva que a faz agir contra a sua própria ética, como arte e como um negócio. A primeira é rotineira, a segunda é notável.” Talvez da parte da Academia se esteja a testemunhar uma pequena viragem, já que no ano passado o Óscar de Melhor Filme numa Língua Não-Inglesa foi para Zona de Interesse, que mostra a vida luxuosa e cínica dos nazis à porta dos campos de concentração e, como o próprio realizador fez questão de dizer, a repetição dessa imagem nos dias de hoje à nossa frente, na faixa de Gaza. Mesmo assim, as tomadas de posição têm limites: depois da nomeação de No Other Land um dos seus realizadores foi gravemente atacado por israelitas na sua própria casa, e capturado pelo exército israelita quando estava a ser levado numa ambulância para o hospital. A Academia dos Óscares não o apoiou.
Por cá, No Other Land não passou nos grandes circuitos do cinema comercial. Está disponível para quem tiver Filmin, o serviço de streaming, e teve algumas sessões espalhadas aqui e ali pelo país. Nunca foi exibido na Figueira da Foz, até agora. Basel Adra, o co-realizador que dá a cara pelo filme, diz que desde pequeno que a família o filma e que em adulto decidiu pegar ele na câmara e continuar o relato do que se passa à sua volta. O que a câmara dele gravou foi um povo a ser brutalmente desmoralizado e eliminado, enquanto o governo português “se prepara”, só agora, para reconhecer a sua existência – um dos últimos países do mundo a fazê-lo, e ainda é preciso petições para exigir que reconheça o genocídio em Gaza. No passado dia 28 de Julho, Awdah Hathaleen, que colaborou no filme, foi assassinado por um israelita, que cumpriu por isso uma pena de prisão domiciliária de alguns dias. Uma enfermeira americana que tentou ajudar Hathaleen foi deportada por Israel.
Nesta conjuntura, é uma honra para nós, Odezanovedejunho – Associação de Ideias, fazer a nossa parte para dar visibilidade a uma obra que mostra o que precisa de ser visto. No dia 21 de Setembro, Dia Internacional da Paz, no Auditório Madalena Biscaia Perdigão às 21.30h. Antes que seja tarde demais.