A Ontologia do Inexistente: Reflexões Sobre a Nomenclatura Efémera de uma Associação de Ideias

por José Luiz Iglésias

“Às vezes, o caos da escolha é o primeiro passo para a criação.
O nome, assim como a arte, surge do inesperado, da decisão que nunca pode ser justificada.”
— Teodoro V. AllierEscritos sobre a Aleatoriedade e o Significado

O O Dezanove de Junho repousa como uma tempestade silenciosa no seio da história, tecendo-se entre o real e o imaginário, entre o visível e o oculto. Tal nome não é fruto de uma escolha meramente cronológica ou anacrónica, mas sim um acto de semiose, uma fragmentação de significados que escapam à própria razão. Assim como a Figueira da Foz, a qual se assume simultaneamente como um porto de chegada e um ponto de fuga, o O Dezanove de Junho representa a intersecção de ciclos temporais que não podem ser compreendidos com a ausência de se viver uma experiência de ruptura – ou, talvez, de repetição infinita.

Junho é um mês de transição, um momento de suspensão entre a primavera que se despede e o verão que se insinua. E o 19 de Junho, especificamente, é uma data que se recusa a ser aprisionada pela memória histórica. Quando se observa o 19 de Junho, parece que o próprio tempo se curva, esquecendo-se da sua linearidade. Em 1865, à guisa de exemplo, o 19 de Junho é uma data que não apenas prenuncia um caos político iminente, uma batalha de vontades, mas também, mais tarde, o reflexo de um continente em reconfiguração *. Mas será que, realmente, foi nesse dia que a história se virou para o futuro? Ou será que o nome O Dezanove de Junho evoca algo mais íntimo e profundo, uma espécie de memória colectiva que nunca se terá materializado?

Na lógica semiológica, Dezanove é um número ímpar que perturba. Distanciando-se da simetria dos múltiplos de dez e de dois, cria, assim, uma dissonância estrutural que nos alerta para uma quebra na sequência. O Dezanove diz-nos algo sobre a própria construção da cultura e do significado: a indivisibilidade, a singularidade, o número que nunca se fecha, mas se reinventa. O número Dezanove é o significante que não se limita a um significado; ele escapa, ele dilui os limites da interpretação, oferecendo-se a novas camadas de leitura. E é precisamente este espírito de transgressão e incompletude que o nome desta associação de ideias carrega consigo: um convite para explorar o que está para além da explicação lógica, para percorrer os labirintos do impossível.

O Dezanove de Junho não nos foi dado para ser compreendido, mas para ser vivido. O nome é uma enunciação silenciosa, como um grito que se dissolve nas ondas do Atlântico, na imensidão do mar que envolve a Figueira da Foz, mas que também a mantém distante, suspensa. No fundo, é um nome que está para além da compreensão direta, convidando à experiência de uma fuga para o desconhecido.

Linguisticamente, a expressão O Dezanove de Junho é uma construção curiosa. O artigo definido O, com sua firmeza quase monolítica, preenche uma lacuna de indefinição. O é, em si, um símbolo de autoridade, mas também de indeterminação. Ele não define o que vem depois, mas coloca o significado em espera. E O Dezanove de Junho, com sua própria ambiguidade de unidade, soa como uma sentença de indecisão: é uma data que não se sabe se pertence ao passado ou ao futuro. O O Dezanove de Junho não é uma data, é uma possibilidade de data, um espaço vazio onde o significado ainda está sendo gestado, esperando para se materializar – ou não.

Na Figueira da Foz, cuja localização geográfica parece ser a fronteira entre a terra e o mar, o O Dezanove de Junho tem a presença de um momento liminal, um não-lugar entre o conhecido e o inexplorado. A cidade, com a sua orla que se perde no horizonte, tornou-se o cenário perfeito para um nome que não se pretende fixo, mas em perpétuo movimento. Aqui, entre o entardecer e o amanhecer, entre as marés que chegam e partem, o O Dezanove de Junho reflete um estado de constante transição, um fluxo entre as margens do tempo e da memória. Cada onda que esmorece na praia poderia ser uma reinterpretação dessa data, e cada gesto esboçado pelos habitantes poderia ser uma tentativa de se entender o mistério de um nome que recusa ser decifrado.

O nome O Dezanove de Junho, por fim, é o arquétipo do nome incompleto – a representação de um significado que está sempre à margem, que nunca se deixa capturar na sua totalidade. Não é apenas um nome; é uma promessa e um enigma. Esta associação de ideias carrega em si o potencial de transformação, de reinvenção constante, através de uma cultura que se recusa a ser explicada e que, talvez, só possa ser vivida, como uma explosão de sentidos que nunca cessam de se multiplicar.

Desta forma, o O Dezanove de Junho não é uma data, mas sim um estado de espírito, uma alegoria de quem vive entre as margens do incompreensível e do possível. E, ao ser proferido, eis que o nome se desdobra como as marés deste lugar: fluído, plural, imprevisível.

 

*Em 19 de Junho de 1865, a notícia da Proclamação de Emancipação chegou ao Texas e os escravos afro-americanos foram finalmente libertados, marcando o fim oficial da escravidão na Confederação. O “Juneteenth” é comemorado anualmente como uma celebração do fim da escravidão nos Estados Unidos.